sexta-feira, 20 de março de 2009

Gargalhada de Papagaio na Cara da Crise


Obs.: Apesar de não ser uma leitora assídua de qualquer meio de informação que possua o nome "O Globo", devo admitir que o jornal com o nome deste tem, por vezes, publicações muito interessantes [Agamenon muso inspirador]. Como o Blog esteve por tempos fora do ar - devido a motivos pessoais que serão dispensados - resolvi postar, para atualizá-lo, uma exposição que li no site O Globo. Admirei muito o texto, e achei altamente propenso para o momento que vivemos.


"Dos males que vêm para o bem, que venha logo a tal crise que as manchetes do jornal anunciam e, com ela, carretel de linha, canja de galinha, a vida simples de que falava a música do Tom e os novos tempos estão pedindo replay. Reinvente-se. Seja sufista, surfista, uma coisa dessas que levitam sobre as nuvens, as marés, e carregam a cabeça para longe do fracasso urbano. Eis o novo roteiro. Dinheiro em penca a partir de agora será apenas aquela plantinha herbácea, pequena e rasteira, que sobe pelos muros, esverdeia as ruas do Jardim Botânico. Isso é bom. Que a crise venha logo e traga o que as grifes, os jatinhos e a ganância do ‘quero-mais-disso’, ‘preciso-muti-daqueilo’, haviam escondido. O novo mundo é o velho. Havia numa cozinha, milhas distantes das trufas brancas do Gero, um prato de arroz-feijão-carne-moída-purê-de-batata-ovo-frito-por-cima, e isso era ótimo. O canto de curió, a rede de cipó, e não se fala mais em Techno, ok? Abaixar o som, economizar energia, e ouvir o que o profeta Gentileza já tinha gritado no Largo da carioca, mas todos achavam coisa de maluco. Não pensar grande, não duelar tamanhos, não vibrar potências. Baixar a bola. O mínimo divisor comum de que falava a escola. Cortar lenha, queimar uma carne ou ouvir se o vento anuncia chuva ou se chegou a resposta de que falava o profeta Bob Dylan. Descomplicar o texto. Fazer períodos mais curtos, com menos informação. Seguir a filosofia do flanelinha, do vaga-certa, do embrapark, de quem estiver tomando conta hoje dos estacionamentos do Rio – e deixar o coração solto. (...)

Hora de tentar o sonho que todo mundo teve um dia e que agora virou obrigatório. Fumar menos, beber menos, viajar menos, ser menos besta – tudo menos deixar de mergulhar num outro estilo de vida. O atual, vestindo Valentino, já era. Sem chororô, nem vem-cá-minha-nega. (...)

Você vai circular menos burocracia de compra-e-venda, com isso diminui a possibilidade de chegar na boca do guichê, prestar continência ao burocrata e ouvir dele que sua papelada caiu em exigência. Uma nova vida inteira sem segunda via autenticada, e isso é bom. Pense pequeno, na maravilha dessa água fresca. Nada cairá em exigência, a não ser a necessidade de dar asas à imaginação e linha na pipa. O mundo voltará ao que era. Havia um menino gritando ‘Tá com medo, tabaréu, minha pipa é de papel’. Havia um outro que jogava umas bolas no chão e gritava ‘Marraio, feridô sou rei’. Esses mantras bons abriam alguma porta da felicidade, que urge retomar para escapar ao inferno. Hora de correr para o abraço e deixar o riso frouxo sobre as próprias penúrias, pois entrou em cena a nova geração de hippies dois-ponto-zero. (...)

Desligar o PowerPoint da reunião e mandar o recado no gogó. Gasto zero, talvez uma pastilha Valda para refrescar o hálito na hora de anunciar no auditório da empresa a conclusão do relatório anual – senhores, ano que vem será pior. Vai ganhar quem rir primeiro, e é o que ora se propõe. O riso sobre si próprio. O resto perdeu o patrocínio, terá o contrato descontinuado. Pise no freio, venda logo esse carro. Pise nos astros, distraído. Ir para Maracangalha de uniforme branco. Ler o último número da revista ‘Vida Simples’ e invejar a história do homem que enchia os bolsos de sementes. Quando a mulher perguntava se era de comer, respondia que um dia talvez servissem. Hoje ele planta florestas por tudo que é canto e manda um beijo, sabor clorofila, para quem tripudiou. Ninguém esquentará a mufa. A água gelada será supérfluo do século passado. Chegou a vez da moringa que a vovó deixou. Sobreviverá o que for útil. Para que tanto celular, tanta notícia, tanta pancadaria em boate, tanta conversa jogada fora no ouvido de uma, duas, três, quantas mulheres couberem numa cama king size? Para que tanta mulher? (...)

Depois, quando a sombra da amendoeira bater na janela – pois não haverá mais Rolex para medir o tempo –, você vai se inscrever num curso gratuito de cafuné. Vai aprender a dormir de conchinha e perceber que não é preciso mais CD algum se você já tem os do Tom Jobim. Anote tudo no imenso laptop do areal de Ipanema. È preciso respirar fundo, criar um outro mundo, com menos empáfia, que rime com o das histórias felizes que as avós contavam. É hora de viver com o básico. Para que mais de um livro se o que você tem é o das 200 crônicas do Rubem Braga? É hora de ver renascer no fundo do peito, chegando de mansinho com a bisnaga debaixo do braço, aquela vontade de realizar o sonho de juventude, quando Paris ficava longe, e tudo que se queria era passar uma estação de águas em Poços de Caldas – e isso era bom. Chegou a hora de cair a mascar marrenta cheia de cifrões, trocar pela do Obama, e brincar o carnaval, que é de graça. Depois, bater no ombro do compadre, ‘Isso é que é vida, meu amigo’ – e cair na gargalhada, que isso é bom demais."

(publicada em O Globo, por Joaquim Ferreira dos Santos)
Por: Mandy